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Foto do escritorSimone Andrade

Compartilhando uma experiência de autoconhecimento: Os buracos em nosso cotidiano.

Atualmente muito se fala sobre o tema do autoconhecimento. Mas qual a função do autoconhecimento? E como desenvolvê-lo?


Nesse artigo apresentado pelo Prof.º Ruy Cezar do Espírito Santo, o autor nos propõe algumas reflexões. Afirma que o processo de conscientização perpassa pelo autoconhecimento, ou seja, a consciência de si mesmo. É com essa consciência que a nossa vida ganha sentido e significado. É a partir do autoconhecimento que nos diferenciamos, que podemos nos conscientizar de nossos valores, habilidades e talentos. É um processo dinâmico que nos desafia a vida toda. É por meio do autoconhecimento que podemos fazer escolhas mais assertivas. No entanto, para ampliar as nossas possibilidades de escolhas e para que não sejam decisões pautadas exclusivamente no ego, o que inclusive podem futuramente provocar um sentimento de vazio existencial, precisamos abrir espaço para ‘ouvir’ o Self, ou seja, a nossa essência. É só por intermédio do Self integrado ao ego, que podemos nos sentir alinhados com o nosso propósito de vida, nos sentirmos integrados e plenos. É em última instância, um ‘plug’ ou conexão para o canal da espiritualidade.


É somente por meio de um mergulho dentro de nós mesmos que podemos nos desenvolver, nos diferenciar ou nos individuar, pois, segundo Jung: “individuação é o tornar-se um consigo mesmo e ao mesmo tempo com a humanidade toda, que também nos incluímos” (JUNGa,1991, p.103).


Mas como podemos efetivamente nos conectar com o Self ou com a nossa espiritualidade?


Não existem receitas ou caminhos prontos, existem facilitadores ou ‘plugs’ para esse caminho. É um processo que demanda uma abertura para a escuta do nosso canal perceptivo da intuição, do símbolo, além do canal, da mente, dos sentimentos e das sensações, que são os canais que normalmente estamos mais habituados a usar.


Para facilitar a compreensão, ilustrarei essas reflexões teóricas com uma experiência, ou vivência simbólica[1]. Trata-se de uma narrativa de uma situação que vivi em 2010.


Naquela época, havia escrito este texto com a intenção de como educadora, pesquisadora e psicóloga clínica, conhecer quais são os estados psíquicos ou emoções desencadeadas após tantos dias de chuvas e tempestades recorrentes na cidade de São Paulo.


Iniciei a pesquisa como sujeito dela, ou seja, pelo autoconhecimento e deixei meu pensamento livre, o que significa ‘ouvir’ o canal intuitivo. Surgiu uma música que fez muito sucesso na minha geração, cantada pelo compositor Lobão: “Chove lá fora e aqui, faz tanto frio”, mas com as temperaturas lá em cima, substitui “frio” por “calor”, ou ainda, “aqui faz tanto trânsito” ou também “aqui faz tanto buraco aumentar ” e qual seria a sua versão para essa música?


Em seguida, emergiu uma imagem do último buraco que caí. Saí do consultório à noite, no final de dezembro daquele ano de 2010, chovia muito e tentei desviar, mas não deu. (Esse buraco ficava na R. Luiz Gonzaga de Azevedo Neto/ SP, perto de uma rotatória, ainda estava lá até a data que escrevi) Nossa que susto! Que barulho! Primeira emoção reconhecida: Raiva! Pensamento: Culpa desses políticos! Medo (segunda emoção) de ter danificado os pneus, redobro minha atenção e continuo. Chego em casa ‘sã e salva’, agradeço, (terceira emoção: gratidão) por nada ter acontecido. Dia seguinte, ao sair de casa, ouço um barulho muito forte no carro, aumento minha concentração no barulho (estado psíquico: atenção plena), mas não encontro a causa do barulho (estado emocional: impotência).


Atendi alguns pacientes que apresentaram ansiedade, depressão, alguns casos que inclusive precisam de acompanhamento psiquiátrico e que também se queixavam do trânsito, da chuva, da violência, das relações, dos seus ‘buracos e como em um devaneio, penso: será que ‘São Pedro’ fez acordo com algum laboratório farmacêutico? (Só para descontrair, não tenho nada contra nenhum santo ou mesmo, contra os medicamentos, quando necessários).


Saio do consultório, nada de ‘fuga’, pensei, enfrento o obstáculo, no caso o buraco, treino o ‘equilíbrio’ literalmente (consegui passar, ufa! Com as duas rodas sem entrar nessa “depressão”, este buraco é difícil e é um bom treino, tem que se livrar do carro da contramão, medir o espaço e se safar dos carros que saem para a marginal e às vezes não param). Ufa! Consegui! Sucesso! Sensação de vitória, mas por pouco tempo, porque o barulho continuava.


Comentei com o meu marido e ele levou o carro ao mecânico. Resultado: ele teve que trocar os amortecedores dianteiros e aproveitou trocando os quatro. Com raiva, questiona: “Você caiu em um buraco de novo?” Respiro profundamente, treino a paciência e penso, mesmo, que ele entre em depressão, pelo menos, tem uma psicóloga em casa (reconheço que o bom humor sempre nos ajuda nessas horas).


Agora façamos um balanço nos dados iniciais da minha investigação. Os estados emocionais que apareceram em maior intensidade em decorrência das recorrentes chuvas torrenciais e do estado caótico em que se encontra a cidade quando chove: raiva, medo, ansiedade (ia me esquecendo,a ansiedade pode aumentar, frente ao conflito: sair de casa antes ou depois da chuva , ou não sair de casa), mas também houveram estados psíquicos positivos: aumento de atenção, foco, concentração, gratidão, aumento do equilíbrio, discernimento, humor e paciência. Pensando bem, os positivos foram até em maior número!


Ainda me recordo de mais dois: aumento da organização e solidariedade porque arrumei meus armários e fiz doações para as vítimas das enchentes.


Após essa revisita dessa vivência simbólica, reflito que existem alguns ‘buracos’ que podemos desviar na nossa trajetória e outros são inevitáveis. Existem os rasos e os mais fundos, que são os que levam mais tempo para consertar.


De qualquer forma, somente pude ter um aprendizado com essa situação porque inicialmente abri a escuta com o canal intuitivo e simbólico. Em um segundo momento, ao me abrir para o aprendizado, me perguntei qual seria a lição dessa situação, ou seja, ao entrar em contato com o autoconhecimento, pude reconhecer as emoções, pude aprender com a situação, entrando em contato com as emoções positivas e negativas. Porém, o que permitiu essa conscientização, foi não ficar paralisada frente ao contratempo de ter caído no buraco, ou seja, não ao se deixar ‘plugar’ com reações que seriam exclusivamente de uma dimensão de ego, mas ao aceitar a situação e ao ‘sair’ de um lugar de ‘vítima’ de qualquer situação pode ser um ‘plug’ com O Self. Ao me questionar, o que poderia aprender com a situação, seria outro ‘plug’ com o Self. Ao sentir e exercer a gratidão também estamos nos ‘plugando’ nessa conexão e com isso, podemos nos sentir mais plenos e integrados ao universo.


Ao contrário, se não exercitamos e não nos conscientizarmos desses ‘plugs’ que estão disponíveis e que nos permitem evoluir, individuar e desenvolver, além de não aprendermos com os ‘estragos’ dos ‘buracos’ em nosso cotidiano, o que pode significar ter que fazer mudanças no nosso caminho, ou simplesmente na forma como caminhamos, podemos cair novamente no mesmo buraco ou em algum parecido.



Referências:


BYINGTON.C.A. A pesquisa cientifica acadêmica na perspectiva da pedagogia simbólica junguiana, (p.43 a p.73). In A pesquisa em educação e as transformações do conhecimento’’. FAZENDA (org.) 12.ed.Campinas: SP. Papirus,2012.


JUNG, C. G. O homem e seus símbolos. 6. Ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1987 a.



[1]vivência simbólica forma a consciência, ao mesmo tempo que conecta as coisas com o todo, como na visão holística, expressando a necessidade da totalidade: “A psique é o cosmos” (BYINGTON in FAZENDA, 2012, p.57).

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